Anatomia de uma queda – resenha

Salve, salve, seres humanos da terra.
Hoje era dia para falar de quadrinhos, mas eu assisti um filme do Oscar e preciso falar desse filme. Então vou passar na frente e é isso aí. Vamos nessa com Anatomia de uma queda.

Anatomia de uma queda recebeu 5 indicações do Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Edição, Melhor Direção e Melhor Roteiro.

ATENÇÃO: Vou fazer uma parte sem spoiler, mas no final do post eu devo comentar mais abertamente. Mas pode deixar que eu aviso quando chegar a hora caso você não queira tomar spoiler.

Anatomia de uma queda:

Anatomia de uma queda

O filme tem uma premissa simples até, mas as pessoas é que são complicadas. Começa com uma entrevista: uma estudante de literatura está entrevistando uma escritora famosa: Sandra. Ela vive isolada com a família em um chalé nas montanhas no fim do mundo da França. O marido coloca música alta e atrapalha a entrevista. Então o filho do casal, que tem baixa visão, sai para passear com o cachorro. Quando o garoto volta, ele encontra o pai caído no gelo, morto e ensanguentado. Ele chama a mãe, ela chama a ambulância, mas já é tarde demais. O marido está morto.

O pai caiu do alto do chalé, mas ele também tem uma marca de pancada na cabeça. E daí começa uma investigação sobre a morte. Ninguém, nem o advogado de Sandra, acredita em acidente. É muito improvável que ele tenha simplesmente caído, porque as beiradas são muito altas e tal.

Assassinato ou Suicídio?

A investigação segue até Sandra ser formalmente acusada de assassinato do próprio marido. Não há testemunhas. Ela estava sozinha em casa com o marido e o filho tinha saído. Algumas coisas, como a pancada na cabeça e uma marca que ela tinha no pulso, indicam uma briga entre eles.

E daí começa a acontecer o julgamento e, enquanto isso, vamos acompanhando a vida dela e do filho e como eles reagem a toda essa coisa.

A acusação defende que o casamento já estava mal, então eles brigaram depois da entrevista e Sandra matou o marido. A defesa, aposta em suicídio, tentando apresentar as frustrações do marido como sinais de depressão. E para provar seus pontos, os dois lados vão espremer a vida dessa família até ninguém aguentar mais.

E a melhor coisa do filme é: nós também não sabemos o que aconteceu. Então acompanhamos o julgamento tentando descobrir no que acreditamos ou não.

E isso é tudo o que eu posso falar sem dar spoilers.

Anatomia de uma queda

O que eu achei de Anatomia de uma queda?

Esse filme é sensacional! Ele tem uma estrutura elegante que traz o gostinho do não saber com ele. Claro, tem muito filme de mistério onde alguém é assassinado e acompanhamos sem saber quem matou. Mas aqui a coisa é diferente: porque é um filme de tribunal e porque a gente nem sabe se foi mesmo um assassinato. Na verdade essa é grande questão do filme.

Quando eu pensamos em julgamentos, sempre temos dois lados. As vezes sabemos que o personagem é inocente e acompanhamos a luta dele contra a acusação malvadona e do estado opressor. É uma luta de Davi contra Golias, do sujeito individual contra a promotoria, polícia, opinião pública e condições que apontam à culpa. As vezes sabemos que o réu é culpado e o filme é sobre o sistema de justiça contra um alvo malandro demais para ser pêgo. É uma corrida contra o tempo e uma perseguição de gato e rato. Nos dois casos estamos em um ponto de vista privilegiado, onde podemos torcer sem medo de errar.

Anatomia de uma queda não nos dá esse luxo. Ele nos joga numa dúvida no começo do filme e nos deixa com ela até o final e depois dele. É o tipo de filme que você volta para casa com a cabecinha encostada na janela do ônibus ainda pensando: “mas será que…?”.

E aí temos a figura do filho, Daniel, que é quem vive essa dúvida nos próprios ossos. Meu pai é um suicida ou minha mãe é uma assassina? As brigas dos dois é culpa minha?

Concluindo a parte sem spoilers:

A fotografia do filme é linda e as atuações estão muito boas. A Sandra Hüller (sim, o nome da atriz e da personagem são Sandra) está maravilhosa no papel (e está concorrendo ao Oscar). Mas, para mim, a grande surpresa desse filme é o Milo Machado Graner, que faz o Daniel. O garoto está demais no papel.

A trilha é meio vazia em alguns pontos, mas funciona para passar tensão. Além disso, o vazio valoriza quando a música vem.

Assista ao filme. É muito, muito bom mesmo. E depois volte aqui para me dizer se matou ou não matou. Se não quiser spoilers do filme, pare de ler aqui. Assista o filme e volte aqui. Um abraço.

E daqui para frente vamos de Spoiler:

Anatomia de uma queda

Eu realmente fiquei com medo de uma revelação final que matasse a dúvida do filme. Felizmente ela não vem e deixa o mistério em aberto o que é o grande trunfo do filme, pelo menos para mim.

Confesso que torci muito pela Sandra depois que a acusação usa o fato dela ser bissexual para indicar que ela seria promíscua e que a briga teria sido por ciúmes. Mas isso revela um pouco sobre o caso como um todo. No fundo, existem pouquíssimas provas, tanto para a acusação quanto para a defesa, o que coloca toda a disputa no campo da subjetividade. Ela é agressiva? Eles brigaram porque ela traiu? O marido era fracassado? Ele culpava ela pelo próprio fracasso como é dito em uma gravação? Ele dizia que a culpa era dela, mas sentia a culpa pelo próprio fracasso? Essa culpa era suficiente para um suicídio?

No fundo era um casamento fraturado pela acidente sofrido pelo Daniel. O pai se culpava a ponto de achar que Sandra o culpava, mesmo que ela dissesse que não. E mesmo ela dizendo que não, nós não conseguimos saber se ela o culpava ou não. Quando o julgamento entra tanto no campo da subjetividade, é impossível saber se as pessoas estão mentindo ou até mesmo se elas sabem o que ela sentem de verdade.

E é por isso que eu acho esse filme tão elegante e bem escrito.

Escritores:

Uma coisa interessante é que parte da disputa do casal é uma disputa bem tradicional, mas com os papéis de gênero trocados. Ela é bem sucedida com seus livros, enquanto ele não consegue escrever. Ele diz que não tem tempo porque cuida da casa e do filho (por conta da culpa talvez) e ela menospreza um pouco esses fatores. É bem o que vemos com muitos casais, mas ao contrário.

Por outro lado, Sandra diz que ele não consegue escrever porque está com bloqueio mesmo, que ele não consegue seguir com os projetos (me identifico), mas joga a culpa nos outros por isso. Mais uma vez, precisamos acreditar em um deles conhecendo apenas um pequeno recorte da vida dos dois. E isso é interessante. Não importa o quanto se fale no tribunal, no fim, a decisão será tomada com base em um recorte da vida dos dois.

Uma curiosidade é que a promotoria usa um dos livros da Sandra para implicar que ela pensava em assassinato. Se for assim, é melhor eu nunca ser suspeito de um crime, porque eu já escrevi umas coisas bem malucas. (aqui e aqui).

E aí vamos para o final. Eu já avisei que tinha spoilers, certo? Beleza.

Fim?

Anatomia de uma queda

No fim, o depoimento do filho, Daniel, é o que vai decidir o julgamento, já que ele é quem mais conhecia o convívio de seus pais. E o mais interessante é que ele também não tem certeza se ele acredita na própria mãe ou não. Ele acompanhou todo o julgamento e sabe que tem muita coisa estranha no depoimento dela, mas também não está convencido de que ela é uma assassina.

E daí vem o diálogo matador com a oficial de justiça. Ela diz que mesmo sem ter certeza, você precisa decidir como se tivesse. Não precisa fingir que tem, mas é preciso decidir quando chega a hora. Isso vale para a vida toda, quase nunca temos certezas, mas temos que fazer alguma coisa mesmo assim (lembrei de The Good Place). Então temos o peso de um garoto de 11 anos tendo que decidir se a mãe e uma assassina ou se o pai é um suicida.

Duas coisas interessantes: No depoimento final do guri conta de um diálogo com o pai que sugere o suicídio, mas, a cena não é com a voz do pai. Isso indica que ele mentiu? Não sei; Outra coisa interessante é que no fim ele livra a mãe, mas ele mesmo não tem certeza (agiu como se tivesse, mas sem ter). Então dá para sentir um desconforto (e o ator é brilhante) na relação dele com a mãe.

Para sempre o menino Daniel vai viver com essa dúvida. Será que minha mãe matou meu pai e eu me enganei? E assim o filme termina. Trágico.

Concluindo:

Essa é a beleza desse filme. Ele te constrange a abraçar a dúvida. Não sei como isso é para você, mas eu estou completamente confortável em dizer “Não sei”. Não sei se matou, se não matou. E eu não preciso decidir. Ainda bem que não sou membro desse juri.

Nem o advogado de defesa que ganhou o caso acredita totalmente, porque eu acreditaria?

Mas chega de falar. É um filmão. Se já assistiu e quiser acrescentar qualquer coisa, comenta aqui embaixo. Se não assistiu e leu até aqui mesmo assim, então vá lá assistir.

Anatomia de uma queda é um filmaço. Recomendo demais.

Anatomia de uma queda

Então é isso. Assista Anatomia de uma Queda. Adorei.
Mas e você? Abraçou a dúvida? Ou está cheio de certezas?
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Um abraço.
E tchau.

Vulto

Desprezível.

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