BANDERSNATCH – minha teoria sobre o filme livro jogo (com spoilers)
Salve, salve, seres humanos da terra.
No final de Dezembro, a Netflix lançou um filme interativo da série Black Mirror. O filme se chama Bandersnatch e eu já escrevi uma resenha sobre ele sem spoilers. Agora a poeira já abaixou e eu já tive tempo para pensar melhor em tudo que eu vi. Então vou escrever esse segundo post, com algumas considerações sobre o filme/jogo e com spoilers.
Então ta avisado. TEM SPOILER NESSE POST.
BANDERSNATCH – Algumas considerações e ‘teorias’
Eu disse, na minha crítica anterior, que o filme é incrível pela experiência da narrativa interativa. Porém, eu também que eu achei que a história, em si, não é tão bem trabalhada. Das críticas que eu vi, muitas foram por essa linha também. Eles criticavam o fato da narrativa ser muito auto-referente, mas não se resolver como uma história.
Por um lado eu acho que isso tem um motivo (uma desculpinha na verdade), mas essa falta de ‘conclusividade’ tem um valor simbólico que me causou uma interpretação muito particular. Eu chamo isso de ‘narrativa Charlie Brooker’, me referindo ao autor do filme. Charlie Brooker é o cara que escreve os roteiros de Black Mirror.
Vou tentar explicar isso, mas esse vídeo vai ser longo. Então se prepare.
Meta Linguagem
O filme é uma bomba de meta linguagem, como eu já disse no meu post anterior. A ideia aqui, desde o começo, é de uma narrativa que escapa do mundo da ficção e espirra no mundo real. Isso se dá pelo fator interatividade ( já que você influencia a narrativa, que te influencia de volta) e, mais importante, pelo fator recursividade. Explico.
Existe um livro chamado Bandersnatch, com interatividade, várias narrativas e vários finais. O livro saiu perfeito, com todas as histórias funcionando, mas para isso ele teve que enlouquecer e matar a esposa.
O filme é sobre um jovem, chamado Stefan, tentando lançar um jogo que se chama Bandersnatch, com interatividade, várias narrativas e vários finais. Só existe um final onde o jogo sai perfeito: um final onde ele enlouquece e mata o pai. Nesse final ele conversa com a psicologa e diz algo como “Eu percebi que eu estava dando opções demais para o jogador”. Essa frase vai ser importante.
E no nosso mundo, existe um cara chamado Charlie Brooker, querendo lançar um filme chamado Bandersnatch, com interatividade, várias narrativas e vários finais.
Isso é a recursividade: Bandersnatch (o filme) é sobre um jogo chamado Bandersnatch, sobre um livro chamado Bandersnatch.
A Narrativa da Conspiração
No filme, existe um caminho onde tem uma conspiração (PAC). Nesse caminho você descobre que seu pai é um agente e faz parte de um projeto de observação e que toda a sua vida é uma mentira. Essa narrativa poderia virar toda uma história de conspiração, mas a única opção que te sobra é matar seu pai e não descobrir nada.
Ou seja, a narrativa da conspiração tem um final abrupto e mal acabado. Isso foi alvo de muitas críticas na internet (com razão), mas há uma certa sutileza nisso. A sutileza está na fala do Thackur, o dono da empresa de jogos.
Quando Stefan tenta entregar o jogo pela primeira vez, o jogo ‘quebra’ na parte em que ele encontra o agente secreto. O Stefan diz algo do tipo “Eu acrescentei o arco da Conspiração Governamental” e o chefe responde algo do tipo “Então tira essa parte.”.
Então, se a narrativa da conspiração não está funcionando e o prazo está acabando, corte ou simplifique. Isso vale para o Stefan, mas será que também vale para o Charlie Brooker?
Tomando os Remédios
Existe um final onde o jogo é lançado, tem um sucesso razoável, e o Stefan não precisa matar ninguém para isso. Para chegar nesse final você precisa: Não conversar sobre a sua mãe e Não seguir o Colin para usar drogas com ele. Se você fizer isso, na cena da pia, O Stefan não é obrigado a jogar fora os remédios, existe uma opção Tomar os Remédios.
Nesse final, Bandersnatch é lançado, é mais ou menos (acho que a nota é 2,5 de 5), Stefan fica meio chateado, mas nós sabemos que é um dos finais mais positivos já que o jogo sai e você não mata ninguém e nem vai para a cadeia.
Tenha isso em mente: Só existe um final onde o Bandersnatch sai e o autor não vai preso.
Concluindo:
Se você considerar que Bandersnatch é uma obra/conceito maldito que, quem tenta produzir em sua completude, enlouquece e acaba matando alguém. A partir do momento que esse conceito de obra maldita é iniciada de forma recursiva, isso espirra para o mundo real e é possível imaginar que isso valha também para o Charlie Brooker como terceiro autor.
Dessa forma na minha “teoria” (não chega a ser teoria, é mais uma ‘narrativa pessoal’), é como se o Charlie Brooker percebesse, em algum momento durante a produção, que, para concluir Bandersnatch como uma obra perfeita, ele deveria enlouquecer, colocando a vida das pessoas ao seu redor em risco.
Dessa forma, ele preferiu simplificar, tomou seus remédios e cortou boa parte da narrativa da Conspiração P.A.C.S (“Eu percebi que eu estava dando opções demais para o jogador”). Isso acabou gerando uma série de incômodos nos espectadores, deixando Bandersnatch com uma nota mediana. Mas o filme saiu e foi lançado no prazo.
É claro que isso é tudo especulação e maluquice da minha cabeça, mas gosto de tentar entender como essa obra, Bandersnatch, que afeta a vida do autor, como foi mostrada no filme, afetaria a vida do autor fora da ficção também. É um exercício de imaginação.
Então, para mim, eu chamo o final onde Stefan toma os remédios de “final Charlie Brooker”.
Por outro lado, acho muito doido imaginar que existe um universo paralelo onde Bandersnatch saiu perfeito, recebeu nota 10. Mas logo depois descobriram que o Charlie Brooker enlouqueceu e matou alguém. Seria triste, mas seria muito louco.
Então é isso. Minha ‘desculpa’ é que Bandersnatch é mais ou menos porque esse era o único jeito dele sair sem o Charlie Brooker ter que matar alguém.
E você, o que acha? Viajei demais? Acha que eu deveria tomar meus remédios?
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Um abraço.
E tchau.
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