Ficção Americana – resenha
Salve, salve, seres humanos da terra.
Hoje é dia de resenha e eu quero falar de um filme que teve indicação ao Oscar, mas que estava completamente fora do meu radar, até eu ver um meme. Então vamos nessa com Ficção Americana.
Ficção Americana é um filme sobre racismo, mas de um jeito diferente com bastante metalinguagem. O protagonista, Monk, é um escritor negro super culto, que escreve histórias complexas. Ele não está conseguindo vender seu livro mais recente, porque as editoras querem “literatura negra”. E por “literatura negra”, eles não querem dizer literatura escrita por um cara negro, mas sim uma literatura com esteriótipos negros.
Monk perde o emprego por brigar com os alunos e aproveita um evento literário para rever sua família. Sua mãe está piorando de uma doença degenerativa e ele não se dá tão bem com seus irmãos.
FUCK!
Uma noite, ele está puto com a indústria e resolve escrever uma sátira, um livro ruim com todos os esteriótipos negros de gangues, violência, abandono paterno e tudo o mais. Ele escreve esse livro sobre um pseudônimo. O livro é péssimo e estereotipado, mas as editoras adoram. E daí o agente de Monk vai aumentando a história, dizendo que o autor é um fugitivo da polícia e tudo o mais.
Monk precisa da grana, por problemas de família e acaba topando. Então ele se vê ganhando uma grana com um livro que ele odeia, mas a industria branca adora. Os brancos acham o livro “necessário”, “cru”, “visceral”. Eles acreditam que as baboseiras que Monk escreveu são “a verdade das ruas”, “do povo do gueto” e essas bobeiras. Tem até um cara querendo comprar os direitos para um filme, mesmo antes do livro sair.
Além disso, outro dilema, Monk é chamado para ser jurado de um prêmio literário. E seu livro, Fuck!, é um dos concorrentes.
Enquanto isso, temos o Monk vivendo a vida e lidando com a doença de sua mãe. Ele conhece uma mulher, tem umas tretas com o irmão, descobre coisas sobre seu pai e se aproxima um pouco da irmã.
E como a coisa toda se desenrola eu não vou contar.
O que eu achei de Ficção Americana?
Eu achei esse filme muito maneiro. Especialmente porque no final, entra um elemento de metanarrativa sensacional, mas eu não vou falar exatamente o que é, porque é O final do filme em si. Mas ele dá uma elegância a mais.
O grande lance desse filme, ao meu ver, é que ele faz uma crítica que eu sempre ouço por aí: “Parem de chamar as mulheres quadrinistas só para falar de Mulheres nos Quadrinhos. A gente sabe falar de outras coisas também”; “Parem de chamar as travestis só para falar de visibilidade trans. A gente sabe falar de outra coisa também.”; É o fato de colocar, em prol de uma diversidade falsa, o autor/artista de uma minoria como um autor temático.
E no caso do filme, o tema é a negritude como os brancos vêem ou querem ver. Eles nem entendem que são racistas, eles querem consumir obras viscerais, sobre o gueto, gangues, violência policial, algo que eles possam ler, se doer um pouquinho, aplacar sua culpa e seguir suas vidas. Quase todos os brancos do filme são a senhorita Morelo de Todo Mundo Odeia o Cris.
Enquanto isso acompanhamos Monk, que é um homem negro, mas que vem de uma família abastada, afinal seus dois irmãos são médicos e ele fez uma boa faculdade. Ele não é o negro que todos esperam, mas também tem suas dores. Seus dramas são muito mais sutis e elegantes.
Perda de Tempo? Sério mesmo?
Uma resenha que eu li, chama os dramas familiares dele “perda de tempo”, o que me parece burro. Toda a história da família de Monk, seu relacionamento amoroso e todas as outras coisas (esse filme tem uma das cenas mais lindas de casamento que eu já vi), ilustram o argumento do filme: Nem toda história negra é uma história sobre racismo. O filme é uma história sobre racismo, mas a escolha de tratar de outros assuntos serve para mostrar que ele é mais do que isso. Entender isso como uma “perda de tempo”, é uma outra versão do mesmo problema dos editores: esperar uma crítica social foda todo o tempo, o tempo inteiro.
Esse é o jogo da metalinguagem. O filme fala de uma indústria que só aceita histórias pretas se elas forem panfletos. E daí o filme tem uma mensagem clara, mas se recusa a ser só isso. Então vêm os críticos e pedem mais da mensagem. Me parece irônico e trágico.
Ontem eu fiz um post sobre Nope!, e eu fui assistir esperando uma crítica racial por ser um filme do Jordan Peele. Falha minha. A metalinguagem evoca a autocrítica.
Concluindo:
Uma das coisas que me agrada nesse filme é a própria personalidade do Monk. Ele tem uma raiva depressiva, uma tristeza cômica. Monk sabe que o mundo é racista, mas se recusa a se tornar monotemático e ser tratado com condescendência. Ele é um personagem complexo e a sua família, com todas as suas cenas refletem essa complexidade.
Com todos os problemas, a família do Monk ainda é uma família bonita. E é isso, “histórias negras” também podem ser bonitas.
Além disso (está acabando, eu juro), o filme consegue tratar de outros temas de forma ágil. Como, por exemplo, a irmã do Monk acabar sendo mais responsável pelo cuidado da mãe, porque as funções de cuidado sempre recaem sobre as mulheres. Tem questões pelo fato do irmão homossexual. Então o filme consegue tratar de mais temas do que se ficasse o tempo todo na crítica principal.
Eu achei um baita filme. A crítica é elegante. Os atores estão todos muito bem nos papéis. E a narrativa funciona muito bem. O final é genial.
Então é isso. Filme maneiro. Eu curti.
Mas e você, o que acha?
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Um abraço.
E tchau.
Amei o filme e amei as suas reflexões! Pensando no que você fala sobre as críticas de jornais, é curioso como o aspecto delicado do filme dói no narcisismo da branquitude. Escrevo fazendo autocrítica, obviamente! Você, incrível como sempre!