Segredos de um Escândalo – resenha

Salve, salve, seres humanos da terra.
Hoje nem era dia de resenha, mas como eu vi esse filme, que é um lançamento, eu preciso falar dele logo enquanto ainda está quente. Então vamos nessa com Segredos de um Escândalo.

A primeira coisa a dizer é que “Segredos de um Escândalo” é um nome péssimo para o filme, mas o nome original, “May December”, também não é muito fácil de traduzir. O termo fala de um relacionamento entre pessoas de idades muito diferentes, mas quase ninguém sabe disso, então não serve muito.

Eu fui assistir ao filme sem saber de nada, e a experiência valeu a pena. Porém, para falar dele eu vou revelar algumas coisas, nada demais, porque está quase tudo na sinopse.

Segredos de um Escândalo:

Mucilon: O filme Segredos de um Escândalo se baseia numa história real de uma mulher adulta, presa por ter relações sexuais com um adolescente. No filme temos Gracie (Julianne Moore), como essa mulher que teve relações com um guri de 13 anos, foi presa, saiu e eles se casaram depois. E aí chega Elizabeth (Natalie Portman), uma atriz que vai interpretar Gracie em um filme.

Então Elizabeth começa a conviver com a família de Gracie e entrevistar pessoas ligadas à história. Antes da Gracie ter a relação pedofilica com o guri, ela era casada e já tinha filhos, um deles amigo do guri inclusive. Elizabeth conversa com toda essa galera, meio como atriz, meio como jornalista, meio como detetive, para tentar entender a mulher que ela vai interpretar no filme, como uma “atriz de método”.

Aos poucos, com os diálogos da Elizabeth com essas pessoas, e da própria Gracie com a família (que Elizabeth acompanha), vamos desvendando a psiquê dos personagens aos poucos.

No fim, tem uma virada que é meio óbvia que ia acontecer, mas no geral não acontece grandes coisas no filme. Para quem é desatento pode parecer um filme onde nada acontece, feijoada, mas os diálogos são o grande lance do filme.

O filme são basicamente 2 horas de desconforto, constrangimento, festa estranha com gente esquisita e todo mundo meio paçoquinha das ideia dodói da cabeça. Enquanto isso você acompanha os diálogos tentando montar um quebra-cabeças que é a psique dos personagens e vários detalhes não ditos da vida daquela comunidade. Mas, mais importante, o quebra cabeças é bem legal.

O que eu achei do Segredos de um Escândalo:

Esse filme é maravilhoso, mas eu entendo quem não gostar por um motivo que é real, mas não deveria ser muito importante: não tem virada. Na verdade tem, mas a virada está em um personagem que não é uma das duas estrelas do filme. Já já eu explico melhor.

Funciona assim: Houve um crime. A Gracie transou com um guri de 13 anos. Ela foi descoberta, julgada, presa, saiu, casou e teve filhos. Tudo isso é passado. E daí chega essa atriz para revirar o lixo da mente dela e toda a vida da cidade. Mas, o que acontece é que nada muda. E isso pode irritar as pessoas.

Então para quem não ficar na piração de entender os personagens, pode achar que é um filme onde nada acontece.

A fotografia é linda. As duas atrizes principais (Julianne Moore e Natalie Portman) estão perfeitas nos papéis. A trilha é esquisitinha (vende um mistério muito sério que não chega nunca). Porém, o grande mérito dos filme são os diálogos. Todos, absolutamente todos, os diálogos servem para alguma coisa. Nada está ali por acaso. Tudo faz parte do quebra-cabeças.

O interessante desse filme é que ele fala, discretamente, sobre como o próprio cinema pode ser pedante. A Elizabeth, a atriz que chega querendo rever uma história, não muda nada. O que aconteceu aconteceu e todo aquele trabalho de investigação meticuloso, doido e inconveniente (meu deus, estou usando muitos adjetivos nesse post) não serve para absolutamente nada. O filme que ela vai fazer já está escrito e provavelmente setá sensacionalista como qualquer outro sobre o tema.

Pré-concluindo (tem mais): Filmão para quem gosta de bons diálogos e filmes com clímax menos óbvios. Recomendo demais.

Tentando resolver os quebra-cabeças (contém spoilers):

Agora eu quero dar meus pitacos sobre os personagens, já que o Peguei a mãe do meu amigo, veja no que deu Segredos de um Escândalo é um quebra-cabeças. Considere o que vem daqui para frente como spoiler. Então leia por sua conta e risco.

Gracie:

A Gracie é uma controladora de primeira linha. Ela faz comentários passivo-agressivos sobre todo mundo e afastou metodicamente quase todos de suas vidas. A filha mais velha se formou e vazou, os gêmeos não podem ver a hora de se formar e sair fora. O único que ainda está com ela é o Joe, o garoto de 13 anos com quem ela transou, se casou e teve filhos. Ela consegue criticar fingindo que está elogiando, dizer que foi seduzida e controlada pelo guri de 13 ao mesmo tempo que se diz orgulhosa de ser ingênua.

Uma dúvida que surgiu enquanto assistíamos ao filme é como aquela família conseguia ter uma casa tão grande e mandar todos os filhos para a faculdade, já que nenhum dos dois tinha um grande emprego. Então sacamos que a Gracie provavelmente é uma rica, ou semi-rica, uma herdeirazinha. Isso explica porque ela ficou presa pouco tempo, pagar um advogado famoso e como um garoto de 13 anos conseguiu criar os filhos.

Por falar em advogado, o advogado diz que ela nunca saiu do processo de negação. De que ela realmente acredita que nunca fez nada de errado, o que é curioso. Pensando nisso ela me parece bem aquela pessoa rica que foi criada acreditando que o mundo era seu. Ela é (acha que é) uma eterna injustiçada, que nunca fez nada de errado se não amar demais. Ela se acha ingênua (e é parcialmente ingênua por acreditar que o mundo deve se arrumar sozinho à sua volta), mas impõe sua vontade sobre todos à sua volta.

Elizabeth:

A Elizabeth é uma atriz pedante, mesmo ela acreditando (talvez) que não seja. Ela realmente acredita que fazer uma boa atuação, mesmo que num filme de qualidade duvidosa, provavelmente sensacionalista, vai trazer um novo ar para essa história. Inclusive ela chama de história para o Joe, que fica puto “Não é uma história. É a minha vida!”.

Enquanto a Gracie acha que o mundo é dela por ser rica (é a minha hipótese), a Elizabeth acredita que o mundo (pelo menos esse mundo) está ali para ela. É a história a ser desvendada, um espaço onde as pessoas são peças para o seu “método” de atuação.

Até do ponto de vista ético ela é uma personagem complicada. Ela quer entrar tanto na vida da Gracie, que ela começa a flertar com essa “sensualidade jovem” (é pedofilia mesmo, gente, não tem essa). Isso vai ficar claro na cena em que ela escolhe o ator mirim que vai contracenar com ela. E ela fica curiosa com o próprio Joe também.

O filme não resolve nada porque nenhum dos seus agentes quer resolver coisa alguma. A Gracie acha que não fez nada de errado. E a Elizabeth só quer fazer o seu papel, custe o que custar, doa a quem doer.

Eu tenho uma hipótese de que está ficando excitada na última cena (a horrível cena da cobra), muito pelo que ela fala com os alunos de teatro. Reveja as duas cenas e depois me diz o que acha.

Joe:

O Joe é a grande surpresa do filme. O ator é apagadinho (perto de duas divas maravilhosas) e o personagem não é protagonista, mas ele é o único que tem arco de personagem do filme. Ele é um adulto funcional que parece que não tem nada de errado. Na verdade, ele é ótimo em dizer sim senhora, fazer o que a esposa quer (mesmo que ela sugira em vez de mandar) e criar os filhos.

Com o tempo do filme e olhando com calma, dá para ver que ele é meio quebrado sim. Emocionalmente inapto, com dificuldades de dialogar e de se relacionar com outras pessoas. Ele se sente infantilizado até sem perceber. Por isso que ele vive se defendendo quando fala de seu hobby de criar borboletas “Eu sei que é bobo. Eu sei que é infantil”.

Se pensar bem. Ele era um garoto de 13 anos, que engravidou uma mulher mais velha. Logo depois disso ele vira pai, então ele não passou pela adolescência e não construiu a própria personalidade. Ele é um bom pai, um bom marido e um cara bom em dizer “sim, amor”, mas sem personalidade.

O filho adolescente dele quem o ensina a fumar maconha. E logo depois que ele começa com o hobby das borboletas (e finalmente começa a interagir com outros adultos) ele começa a pensar em viajar e fazer outras coisas. O fato de seus filhos estarem indo para a faculdade termina esse período de pai e finalmente ele vai precisar ser um adulto por si mesmo. E daí vem a Elizabeth para questionar sua relação com a Gracie.

O confronto dele com a Gracie é muito triste, porque ela consegue dominá-lo chamando ele de dominador, o que é um jogo bizarro e assustador. Só faltou dizer que “você é(era) muito maduro para a sua idade” a frase preferida dos pedófilos.

Concluindo – agora para valer:

Eu disse que nada muda, mas é mentira. O Joe muda (tal qual uma lagarta virando borboleta), mas ele ta apagadinho ali no canto do filme.

Digo novamente que o roteiro de Ta todo mundo louco Segredos de um Escândalo é sensacional porque todos os diálogos, todas as cenas estão lá para mostrar algumas dessas coisas que eu falei. A relação dos filhos com a Grace. Todo mundo sendo ruim da cabeça. A psique quebrada do Joe. O exagero da Elizabeth. E tudo o mais. Nada é desperdiçado. Nada é atoa.

Duvida do que eu to falando? Assista de novo.

Não é um filme para todo mundo. Mas é um filmaço. Gostei e recomendo. É isso. Chega. Esse post está grande demais.

E tenho que agradecer à maravilhosa amiga que me chamou para ver a esse filme (analisou junto comigo também) e ao irmão dela, quem indicou para ela. Vocês são uns lindos.

Então é isso. Post enorme, mas valeu a pena.
Mas e você, o que acha?
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Um abraço.
E tchau.