A Bomba do Fim do Mundo (conto autoral)

Salve, salve, seres humanos da terra.
Passando rapidamente nesse fim de mês para publicar um conto meu. Esse conto foi lido/interpretado durante uma live do podcast Desleituras, do Pensador Louco. Infelizmente não foi gravado e o audio se perdeu. Mas, se quiser ler, como texto mesmo, aqui está A Bomba do Fim do Mundo.

A Bomba do Fim do Mundo:

A Bomba do fim do mundo

Doutor Smith acende um cigarro enquanto olha para o relógio em um dos monitores na parede. O relógio muda, de 120 para 119, os segundos para o fim do mundo

— Então é isso. É assim que o mundo acaba.

Doutora Becker serve dois copos de vinho. Um vinho qualquer de um ano qualquer.

— Meio anticlímax, não acha? — diz ela, meio sem graça
— É curioso, para dizer a verdade. A gente sempre espera uma intervenção. Alguém heroico que descubra o plano terrível e tente de tudo para salvar o dia.
— Pois é. Falta um pouco de ação. Uma gritaria ou um tiroteio, talvez. Eu até comprei uma arma, sabia? — Becker mostra a arma, uma pistola cromada que nunca será usada.
— E você sabe usar essa coisa?
— Fala sério, somos cientistas! Não é difícil usar uma arma. Um dos lados é o lado perigoso, certo? Você aponta ele para o outro cara e aperta o gatilho. É trivial.
— É um ponto de vista razoável, mas não sei se concordo.

Os dois cientistas bebem enquanto contemplam a bomba. Pelo menos a parte dela que fica para fora do chão. A maior parte está tão enfiada na terra que parece irreal. O relógio marca 90 segundos.

— É uma bela bomba essa que fizemos. — a doutora comenta. — O trabalho de tantas mãos. Tecnologias roubadas de vários lugares, unidas para um fim maior. O monstro de Frankenstein definitivo.
— Sem dúvida. Uma obra prima digna de um prêmio.
— Tipo um anti-nobel da paz.
— Seria um nome horrível.
— Não consegui pensar em nada melhor.

Becker suspira.

— Sabe de uma coisa? Eu esperava mais do serviço secreto. — diz ela — Quer dizer, eles chamam a si mesmos de “agências de inteligência”. Tem dinheiro de uns 16 países aqui e ninguém se deu o trabalho de ler os relatórios! Não é possível que “armas experimentais” não chama a atenção de ninguém hoje em dia. Chega a ser revoltante!
— A verdade é que ninguém se importa com a ciência de fronteira. Eles acham que somos só um bando de malucos inventando termos novos. Os caras da CIA ainda estão preocupados com Urânio enriquecido.
— Eles ainda chamam bombas nucleares de “armas de destruição em massa”. Quem ainda usa quilotons como medida de qualquer coisa? São uns amadores.

Becker checa a tela com os gráficos de flutuação de energia e percebe um pequeno pico de atividade no núcleo, mas nada fora da variação esperada. 70 segundos.

— Bem que podia aparecer um agente secreto mesmo. — Smith retoma — Um James Bond moderno.
— Sim. Um bem gato. Ele atira em você, tenta me seduzir, eu pareço ceder, rola uma tensão sexual, mas na última hora eu mudo de ideia e acabo com tudo. Ia ser legal.
— Legal mesmo. Quem você imagina?
— Idris Elba.
— Sim! Ele fica muito bem de terno!

O relógio marca 60 segundos.

— E se… — a doutora levanta o indicador enquanto pensa. — nós, do futuro, voltássemos no tempo para nos impedir. Uma virada clássica de ficção científica.
— Mas quando a bomba explodir, nós também morremos. Não existem nós do futuro.
— Mas aí é que está a elegância da situação. O simples fato deles chegarem aqui já garante que o plano falhou, então nós mesmos, enquanto cientistas, deduzimos que nosso plano já deu errado e desistimos dele, sem que nossas versões do futuro precisem sequer dizer nada.
— E aí a gente vive a vida normal até que, no futuro, construímos uma máquina do tempo para voltar ao presente, mesmo sabendo que a gente só precisa aparecer e não falar nada? Só para manter a continuidade?
— Exatamente!
— Uhmmmm… conceitualmente sagaz. Mas também seria muito desinteressante. Daria um curta metragem, no máximo.

Ambos param por um segundo, olhando para um canto mais vazio do laboratório. Nenhuma máquina do tempo aparece. Smith confere os registros de atividade do reator principal e o relatório de estado dos motores auxiliares. A energia está abaixo da média esperada, mas ainda dentro da margem aceitável de um desvio padrão.

30 segundos.

Becker enche o copo do colega, joga o próprio copo fora e começa a beber direto da garrafa.

— Também podia ser algo mais intimista. — Smith diz olhando para ela. — Imagine esse cenário: Você descobriu recentemente que está grávida, mas estava guardando segredo. Daí você diz algo do tipo: “Esse pequeno ser dentro de mim me ensinou o valor da vida.”. Então você tenta impedir o lançamento e nós travamos uma luta. Que tal?
— Isso é muito sexista, sabia? É um péssimo hábito de achar que as mulheres são escravas dos próprios hormônios. Acham que a gente pensa com o útero e só isso. Além de ridículo é clichê. E eu nunca diria uma frase dessas. É muito brega.
— Tem razão. E além do mais, uma briga de cientistas nunca é algo bonito de se ver.

Becker sorri.

— Eu posso ter envenenado a sua bebida. Seria uma virada mais inteligente. Clássica, eu diria.

O relógio marca 10 segundos.

Smith olha para o próprio copo, olha para ela, olha para a garrafa e olha para a doutora de novo.

— Você envenenou?
— Não. Só pensei nisso agora.

5 segundos para o fim.

— Eu só queria ter alguém para contar como nosso plano foi incrível, sabe? — Smith resmunga.

4 segundos para carga total.

Todos os status normais.

3 segundos para a extinção.

— Foi um prazer destruir o mundo com você, doutora Becker.

2 segundos.

— O prazer é recíproco, doutor Smith.

1.

Zero. A bomba é lançada e cumpre seu objetivo. Em poucos segundos todas as formas de vida são exterminadas do planeta sem causar nenhum alarde. Sem comoção. Sem luto. É o fim da vida no planeta Terra, agora estéril.

Em outra realidade, em um universo paralelo, o mundo é salvo de forma épica e complexa, mas essa é outra história.

Fim

Então é isso. A Bomba do Fim do Mundo foi um conto que eu escrevi sem muita pretensão, mas achei que ficou interessante. Eu gostei.
Mesmo que não seja um dos meus preferidos.
E você, o que acha?
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Um abraço.
E tchau.

Vulto

Desprezível.

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  1. 6 setembro, 2022

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  2. 2 junho, 2023

    […] gosto do trocadilho de abdução com sequestro, mas gosto da virada final, que é um clímax anti-clímax total. Eu curto esse tipo de história que acaba do nada porque algo inesperado acontece. É isso, […]

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