Viva, Ame, POSE! – resenha por Vinicius Schiavini
Salve, salve, seres humanos da terra.
Já faz um tempinho que isso não acontecia, mas estamos de volta com textos de colaboradores. Hoje o texto é um resenha da série Pose, escrita pelo Vinicius Schiavini, o mastermind da Kombo, um dos maiores hubs de podcasts da internet. Então vamos lá.
Viva, Ame, Pose! – por Vinicius Schiavini
Ok, devo dizer que Ryan Murphy não me conquistou por Glee e, em verdade, levei um tempo pra dar chance a ele de novo. Conheci o criador por Popular, sua série adolescentóide (sem músicas), mas Nip/Tuck e Glee nunca me ganharam. Até que veio American Crime Story, e parecia que ele havia mudado seu jeito de criar séries. Em entrevista, ele disse que queria pensar cada temporada como uma nova série, o que faz muito sentido.
Então veio Pose, a série dele que realmente me conquistou.
Nos anos 1980, ainda havia muita discriminação com pessoas gays e trans, que recorriam a subempregos para sobreviver, caindo, muitas vezes, no mundo da prostituição. Se hoje a violência a pessoas trans é ainda absurda, nem consigo imaginar os números de trinta e poucos anos atrás.
Porém, havia a ball culture.
Excluídos da sociedade “normal”, a comunidade LGBTQ+ (peço desculpas se esqueci alguma letra) criou eventos e bailes em que celebram suas identidades. Nestes bailes, categorias eram disputadas, e havia uma saudável competição, com todos dançando juntos depois. Os bailes serviam como um momento de comunhão entre as Casas.
As Casas eram locais que abrigavam estes jovens. Geralmente comandados por uma mulher trans (que passa a ser chamada de mãe), os jovens recebiam teto e comida, mas com um senso de comunidade, de todos se ajudando. A Casa tem um sobrenome, que é o sobrenome da mãe, e todos os “filhos” adotam o mesmo sobrenome.
E é disto que Pose fala. Vou falar da série sem falar spoilers – porque não é possível que haja algum.
A série do FX foca em Blanca, que deixa a Casa de Abundance após descobrir ser soropositiva e funda a Casa de Evangelista. Precisando ter seu próprio espaço, ela acaba adotando como filhos figuras como Angel, Damon e Papi. Angel, uma mulher trans muito bonita, começa a perceber que a prostituição não é o que ela quer para sua vida, mas a possibilidade de uma vida confortável a faz ficar estagnada. Papi é um rapaz sem muita habilidade, mas muita empolgação para ajudar nas tarefas de casa. E Damon, o destaque, é um exímio bailarino, e o episódio piloto termina com sua admissão em uma escola de dança.
E é aqui que as máscaras de Pose são derrubadas.
A primeira máscara é que, na primeira temporada, temos três personagens no elenco principal para chamar a atenção. Evan Peters (o Mercúrio da Fox) e Kate Mara (de House of Cards – Deusmelivre te lembrar de Qu4rteto Fantástico) são o casal Bowes – ele, um executivo em ascensão nas empresas de Donald Trump, enquanto ela é uma fiel dona-de-casa. Calma, não temos Trump na série, mas Matt Browley (James Van Der Beek, o Dawson), no mais próximo possível do Presidente Laranja (lembrei-me de Larfleeze). O personagem de Peters apaixona-se por Angel, até bancando um apartamento para ela, em uma situação que não havia como ser frutífera. Todos estes “brancos de subúrbio” somem ao final da primeira temporada.
A segunda máscara é que, aparentemente, o foco da série é nos jovens, e em seus potenciais. Acompanhamos muito bem Angel, Papi e Damon, assim como outros filhos que buscam suas vidas, como Candy e Lulu. Mas a segunda temporada começa a mostrar que Blanca é, e sempre foi, a protagonista da série, trazendo estabilidade ao melhor estilo das sitcoms familiares dos anos 1950, como Papai Sabe Tudo, invertendo gêneros em vários níveis. Com o apoio de Pray Tell, o MC dos bailes e grande amigo de Blanca, ela mostra o motivo de ser o ponto focal de toda a série. Assim como ela, outras mães ganham o palco, como as já citadas Candy e Lulu, além da divertidíssima Elektra, que era mãe de Blanca e possui um ego astronômico, mesmo diante de situações absurdas em seu emprego de dominatrix.
A interpretação de Dominique Jackson em sua Elektra é um desbunde de frases cheias de prepotência e surrealidade, como o médico pode receitar a qualquer um que precise sorrir.
Então, vem a terceira máscara.
Não é possível haver spoilers porque a série foca, a cada episódio, em coisas que infelizmente ainda são corriqueiras na comunidade LGBTQ+. Angel, em sua carreira de modelo, chega a ser assediada quando o fotógrafo percebe que ela é trans. Elektra, com o mesmo problema, ainda tem um “daddy” que não quer que ela mude (ou tire) nada. Isso sem contar a violência que pessoas trans sofrem ou o preconceito da elite da sociedade, que não quer que “esse tipo de pessoa” possa ser vista de alguma forma.
Além, claro, do fantasma do HIV. Blanca é diagnosticada no piloto, e cada momento de fraqueza dela garante algumas lágrimas no rosto, pela nossa torcida inútil. Pray Tell começa a entender também como as coisas funcionam. A segunda temporada começa com Blanca e Tell em um cemitério afastado, em que muitos trans que morreram de HIV são enterrados sem qualquer cerimônia, porque à época havia ainda a ideia de que poderiam transmitir o vírus depois de mortos, pelo chão… e de que seriam o único grupo de risco na sociedade. Pray Tell é quem mais sofre psicologicamente, vendo toda sua estrutura social ruir com diversos motivos de tristeza e perda. Blanca, por sua vez, continua firme, como a mãe que nunca pode ceder e sempre deve ser exemplo, mesmo em uma cadeira de rodas.
Concluindo:
Pose é a série com o maior número de pessoas gays e trans no elenco na História. MJ Rodriguez (Blanca), Indya Moore (Angel) e Angelica Ross (Candy) são alguns exemplos. Aliás, Angelica Ross caiu nas graças de Ryan Murphy, e esteve depois na nona temporada de American Horror Story. Apesar de Indya ser linda, é impossível não se apaixonar por MJ Rodriguez – não falo só da parte estética, mas de como aquela personagem é crível, é factual, é humana. Blanca é tão visceral quanto qualquer protagonista feminina que busca por sua vida, como em Flashdance.
Billy Porter, na primeira temporada, é ligeiramente apagado, mas na segunda seu Pray Tell brilha, a ponto do ator ganhar o Emmy – primeiro ator negro gay a ganhar de ator principal.
A terceira temporada promete dar mais fôlego a Blanca e Pray Tell, conforme seguem pelos anos 1990 – pós-Vogue da Madonna, como devo dizer. Vamos ver quais serão as próximas categorias dos bailes.
Aliás, o título é algo da abertura, em que Pray Tell anuncia:
“A categoria é: VIVA, TRABALHE, POSE!”
[Nota do Editor] Vinicius Schiavini faz parte da Kombo Conteúdo, um agregador enorme com todo o tipo de conteúdo. Conheça o site clicando aqui e ouça os podcasts. As vezes você pode me ouvir lá em alguns episódios do DN (notícias), do DN Premieres (estreias de cinema) e do DN Balbúrdia (política).
Então é isso, uma série que eu fiquei com ainda mais vontade de assistir.
E você, já assistiu Pose? Concorda? Ficou com vontade?
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Um abraço.
E tchau.